O papel dos seguros na era dos desastres naturais e dos riscos climáticos
Do ressarcimento à resiliência: o setor de seguros deixa de ser apenas um compensador de perdas para atuar como agente da adaptação climática, usando dados, tecnologia e métricas ESG para fortalecer a sustentabilidade e a resiliência econômica.
SEGUROS
Eduardo Colafêmina
11/11/2025
Os desastres naturais e os riscos climáticos deixaram de ser eventos extraordinários para se tornarem parte da rotina das sociedades contemporâneas. O aumento na frequência e intensidade de enchentes, secas, incêndios florestais e tempestades tropicais desafia governos, empresas e comunidades a repensarem seus mecanismos de proteção e recuperação. Nesse contexto, o setor de seguros emerge como um dos pilares mais estratégicos da adaptação e da resiliência econômica frente às mudanças climáticas.
Historicamente, o seguro foi concebido como instrumento de compensação de perdas, um meio de reparar financeiramente danos após sua ocorrência. No entanto, o agravamento dos eventos climáticos está transformando essa lógica. Hoje, o seguro é cada vez mais compreendido como um vetor de prevenção e de gestão antecipada do risco, capaz de financiar soluções de mitigação, incentivar práticas sustentáveis e integrar políticas públicas de adaptação.
A indústria seguradora, tradicionalmente focada na precificação de riscos passados, começa a incorporar modelos climáticos, dados geoespaciais e inteligência artificial para projetar cenários futuros. Esse avanço tecnológico permite não apenas identificar vulnerabilidades, mas também planejar investimentos direcionados à resiliência, sobretudo em setores críticos como infraestrutura, energia, agricultura e transportes. O seguro, portanto, deixa de ser um custo operacional e passa a ser um instrumento estratégico de sustentabilidade econômica.
Um exemplo disso são os seguros paramétricos, que utilizam indicadores climáticos – como volume de chuva, temperatura ou velocidade do vento – para acionar pagamentos automáticos em caso de eventos extremos. Essa inovação reduz a burocracia, acelera a resposta pós-desastre e aumenta a previsibilidade financeira, beneficiando tanto o setor público quanto comunidades vulneráveis. Organismos multilaterais, como o Banco Mundial e a ONU, vêm promovendo essas soluções como parte da arquitetura global de financiamento climático (World Bank, 2023).
Além do papel financeiro, o setor de seguros exerce uma função pedagógica ao precificar o risco climático. Prêmios mais altos em regiões de alta vulnerabilidade funcionam como sinal econômico, orientando políticas de uso do solo, infraestrutura verde e práticas agrícolas sustentáveis. Nesse sentido, o seguro atua como mecanismo de governança climática, transformando dados de risco em incentivos para prevenção.
O mercado global já reconhece essa transição. De acordo com o relatório Climate Change and the Insurance Industry (OECD, 2022), as perdas anuais associadas a desastres naturais ultrapassaram US$ 280 bilhões em 2021, dos quais apenas 40% estavam segurados. Essa lacuna evidencia o enorme potencial de expansão do setor e a necessidade de incorporar o risco climático na arquitetura financeira global.
No Brasil, essa discussão começa a ganhar força com o avanço das políticas de sustentabilidade e as iniciativas de integração entre bancos, seguradoras e órgãos reguladores. A adoção de métricas ESG e o uso de dados climáticos abertos podem ampliar o alcance do seguro como infraestrutura financeira da adaptação climática, protegendo economias locais e reduzindo desigualdades regionais.
A nova fronteira dos seguros não é apenas indenizar perdas, mas financiar o futuro da resiliência. Isso exige colaboração entre ciência, finanças e políticas públicas, para que o risco seja compreendido não como um inimigo a ser eliminado, mas como um elemento a ser administrado com inteligência e visão de longo prazo.
Referências Bibliográficas
OECD. Climate Change and the Insurance Industry: Building Resilience and Protecting Communities. Paris: Organisation for Economic Co-operation and Development, 2022.
WORLD BANK. Insurance for Climate Adaptation: Opportunities and Challenges. Washington, D.C.: World Bank Group, 2023.
IPCC. Sixth Assessment Report: Climate Change 2023 – Impacts, Adaptation and Vulnerability. Geneva: Intergovernmental Panel on Climate Change, 2023.
UNDP. The Role of Insurance in Climate Change Adaptation. New York: United Nations Development Programme, 2022.
CNseg. Relatório de Sustentabilidade do Setor de Seguros 2024. Rio de Janeiro: Confederação Nacional das Seguradoras, 2024.
